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quinta-feira, maio 08, 2008

DISCURSO DE ROBERTO DE ABREU - PRÊMIO BRASKEM DE TEATRO 2008

Quando ainda tinha 04 (quatro) anos ganhei de presente, de minha mãe, uma roupa de palhaço. Com uma maquiagem no rosto, e uma peruca de cabelos coloridos, brinquei de ser aquele que não era. Uma brincadeira que, em minha memória, não consegui registrar a duração, mas a sensação é de que tenha durado a eternidade, e de que, até hoje, eu não tenha tirado aquela indumentária do corpo. Naquele dia fui arrebatado. E, POR INCRÍVEL QUE PAREÇA. já ali senti o trabalho de grupo necessário ao labor da “cena”. Eu não sabia me maquiar, e se minha mãe não o fizesse, certamente o brinquedo teria perdido um pouco o brilho, foi um trabalho de grupo conceber aquele palhaço, o grupo era minha mãe e eu.
Sempre fui precoce, as coisas em minha vida sempre aconteceram muito rápido, mas não tenho dúvidas de que as pequenas conquistas galgadas por mim e pela Finos, foram sempre sustentadas por parcerias e encontros. E não é atôa que para nós, o teatro é a arte do encontro. Como desconsiderar, então, os primeiros encontros com Marcelo Benigno ainda em conquista entre 97 e 98, a sala da UESB, o cheiro de incenso e a fatal imcompreensão, por minha parte, do que viria a ser aqueles processos de experimentação, viscerais, sinceros, pacientes, verdadeiros, sensíveis, determinantes na minha formação. Como esquecer do PAFATAC, o encontro com uma amorosidade, com a paixão, com a poesia, com o outro. Como esquecer as aulas na graduação, com Daniel, com Ângela, Antônia, Adelice, Cleise, Iami, Maria Eugênia, Marfuz e tantos outros, vários encontros. O encontro com o professor Sérgio Farias, outro determinante encontro na minha trajetória: honestidade, objetividade, coerência, simplicidade. Responsável pela minha formação como pesquisador. E os encontros mais recentes: a paciência de minha orientadora do mestrado, professora Catarina Santana, que com atenção e dedicação tem respeitado minha prática acadêmica aliada a minha prática artística, e desse encontro na abro mão.
O encontro mais freqüente de todos esses é sem dúvida meu encontro com a Finos Trapos. Afinal de contas... são muitos ensaios por semana, muitas horas por ensaios e enfim.... só nós sabemos a delícia e a dor de ser o que somos. Este encontro celebro a cada dia, o encontro com: Daisy, a atriz e produtora, Polis, a dionisíaca, Dani, a dedicada, Yoshi, o ator cenógrafo, Chico, a sensibilidade, Rick, a ponderação, e os mais novos agregados, Frank e Milena. Ademais: todos os encontros com os entusiastas e amigos da Finos, tão caros à nós todos... entre eles o encontro com meu Padim, mais conhecido como Esechias Araújo Lima, e Carlos Jehovah, autores do Auto da Gamela, a quem nossa cidade credita respeito e homenagem pela trajetória e importância desses dois artistas e intelectuais de nossas serras gerais.
A Finos funciona em regime de teatro de grupo. Só quero essse tipo de trabalho para a minha experiência como artista. E teatro é tudo que sei fazer. Tudo. E o teatro que sei fazer, não é o teatro que está guardado e salvaguardado nas estantes das bibliotecas, das coleções da literatura dramática. Afinal de contas somos muito marginalizados, não é mesmo? Brasileiros, nordestinos, baianos, do interior, da periferia, artistas, com formação acadêmica em teatro, ou melhor e faço questão de dizer em licenciatura, residentes e ex-residentes universitários, que fazem teatro alternativo e de grupo... Ora, Não me peçam pra montar Ibsen! Não agora. Fico muito feliz por este reconhecimento. É o reconhecimento dessa outra Bahia, que não está na tela das tvs, nos noticiários, nas campanhas publicitárias de turismo, na baianidade nagô. Está na rezadeira, no benzedeiro, na fé, nos reizados, nos presépios, na gente simples do interior. É esta a matéria que a Finos Trapos vem investigando. Também como uma denúncia: O teatro Baiano não é o teatro de Salvadorm apenas. Ponto. O teatro está em todas as ruas, feiras, praças e tablados também de minha cidade como em todas outras tantas cidades desse estado, que como diria o próprio Josias Pires: É Singular e é plural, ou o homônimo mestre Nelson de Araújo: pequenos mundos habitam a Bahia. Feliz com o reconhecimento, mas ciente de que o maior reconhecimento que podemos ter é ver que estamos em nosso cotidiano, na sala de ensaio, buscando nosso caminho, nosso teatro... porque teatro se faz fazendo... não há espaço para encontro virtual!
Ofereço este prêmio à Finos Trapos, à minha mãe, ao meu irmão (aniversário), a meu namorado, à Marcelo Benigno (mestre e amigo), a Esechias, meu Padim e a um grande amigo em memória: Charles Cerdeira. Um palhaço conterrâneo, sensível, inteligente, de conhecimento fenomenal dessa engrenagem que é o teatro e que morreu há alguns anos em Conquista, na miséria absoluta, palpérrimo, e absolutamente descrente de um futuro melhor com seu ofício. Espero não ter o mesmo fim, amigo. Saudade, palhaço! Com a última palavra o poeta, outro conterrâneo, também em memória: "Vamos deixar de lado a revolução francesa e a soviética para descobrir a feijoada, o frevo, os reisados e o carnaval. Nossa cultura é a macumba, não a ópera." Glauber Rocha

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