DISCURSO DE ROBERTO DE ABREU - PRÊMIO BRASKEM DE TEATRO 2008
Quando ainda tinha 04 (quatro) anos ganhei de presente, de minha mãe, uma roupa
de palhaço. Com uma maquiagem no rosto, e uma peruca de cabelos coloridos,
brinquei de ser aquele que não era. Uma brincadeira que, em minha memória, não
consegui registrar a duração, mas a sensação é de que tenha durado a eternidade,
e de que, até hoje, eu não tenha tirado aquela indumentária do corpo. Naquele
dia fui arrebatado. E, POR INCRÍVEL QUE PAREÇA. já ali senti o trabalho de grupo
necessário ao labor da “cena”. Eu não sabia me maquiar, e se minha mãe não o
fizesse, certamente o brinquedo teria perdido um pouco o brilho, foi um trabalho
de grupo conceber aquele palhaço, o grupo era minha mãe e eu.
Sempre fui precoce, as coisas em minha vida sempre aconteceram muito rápido, mas
não tenho dúvidas de que as pequenas conquistas galgadas por mim e pela
Finos,
foram sempre sustentadas por parcerias e encontros. E não é atôa que
para nós, o
teatro é a arte do encontro. Como desconsiderar, então, os
primeiros encontros
com Marcelo Benigno ainda em conquista entre 97 e 98, a
sala da UESB, o cheiro
de incenso e a fatal imcompreensão, por minha parte,
do que viria a ser aqueles
processos de experimentação, viscerais, sinceros,
pacientes, verdadeiros,
sensíveis, determinantes na minha formação. Como
esquecer do PAFATAC, o encontro com uma amorosidade, com a paixão, com a poesia,
com o outro. Como esquecer as aulas na graduação, com Daniel, com Ângela,
Antônia, Adelice, Cleise, Iami,
Maria Eugênia, Marfuz e tantos outros, vários
encontros. O encontro com o professor
Sérgio Farias, outro determinante
encontro na minha trajetória: honestidade,
objetividade, coerência,
simplicidade. Responsável pela minha formação como
pesquisador. E os
encontros mais recentes: a paciência de minha orientadora do
mestrado,
professora Catarina Santana, que com atenção e dedicação tem
respeitado
minha prática acadêmica aliada a minha prática artística, e desse
encontro
na abro mão.
O encontro mais freqüente de todos esses é sem dúvida meu encontro com a Finos
Trapos. Afinal de contas... são muitos ensaios por semana, muitas horas por
ensaios e enfim.... só nós sabemos a delícia e a dor de ser o que somos. Este
encontro celebro a cada dia, o encontro com: Daisy, a atriz e produtora, Polis,
a dionisíaca, Dani, a dedicada, Yoshi, o ator cenógrafo, Chico, a sensibilidade,
Rick, a ponderação, e os mais novos agregados, Frank e Milena. Ademais: todos os
encontros com os entusiastas e amigos da Finos, tão caros à nós todos... entre
eles o encontro com meu Padim, mais conhecido como Esechias Araújo Lima, e
Carlos Jehovah, autores do Auto da Gamela, a quem nossa cidade credita respeito
e homenagem pela trajetória e importância desses dois artistas e intelectuais de
nossas serras gerais.
A Finos funciona em regime de teatro de grupo. Só quero essse tipo de trabalho
para a minha experiência como artista. E teatro é tudo que sei fazer. Tudo. E o
teatro que sei fazer, não é o teatro que está guardado e salvaguardado nas
estantes das bibliotecas, das coleções da literatura dramática. Afinal de contas
somos muito marginalizados, não é mesmo? Brasileiros, nordestinos, baianos, do
interior, da periferia, artistas, com formação acadêmica em teatro, ou melhor e
faço questão de dizer em licenciatura, residentes e ex-residentes
universitários, que fazem teatro alternativo e de grupo... Ora, Não me peçam pra
montar Ibsen! Não agora.
Fico muito feliz por este reconhecimento. É o
reconhecimento dessa outra Bahia, que não está na tela das tvs, nos noticiários,
nas campanhas publicitárias de turismo, na baianidade nagô. Está na rezadeira,
no benzedeiro, na fé, nos reizados, nos presépios, na gente simples do interior.
É esta a matéria que a Finos Trapos vem investigando. Também como uma denúncia:
O teatro Baiano não é o teatro de Salvadorm apenas. Ponto. O teatro está em todas as
ruas, feiras, praças e tablados também de minha cidade como em todas outras
tantas cidades desse estado, que como diria o próprio Josias Pires: É Singular e
é plural, ou o homônimo mestre Nelson de Araújo: pequenos mundos habitam a
Bahia. Feliz com o reconhecimento, mas ciente de que o maior reconhecimento que
podemos ter é ver que estamos em nosso cotidiano, na sala de ensaio, buscando
nosso caminho, nosso teatro... porque teatro se faz fazendo... não há espaço
para encontro virtual!
Ofereço este prêmio à Finos Trapos, à minha mãe, ao meu irmão (aniversário), a
meu namorado, à Marcelo Benigno (mestre e amigo), a Esechias, meu Padim e a um
grande amigo em memória: Charles Cerdeira. Um palhaço conterrâneo, sensível,
inteligente, de conhecimento fenomenal dessa engrenagem que é o teatro e que
morreu há alguns anos em Conquista, na miséria absoluta, palpérrimo, e
absolutamente descrente de um futuro melhor com seu ofício. Espero não ter o
mesmo fim, amigo. Saudade, palhaço!
Com a última palavra o poeta, outro
conterrâneo, também em memória:
"Vamos deixar de lado a revolução francesa e a
soviética para descobrir a feijoada, o frevo, os reisados e o carnaval. Nossa
cultura é a macumba, não a ópera."
Glauber Rocha
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