"Gennesius", o mais recente espetáculo da Finos, com duas indicações ao Prêmio Braskem de Teatro de 2009 (Melhor Direção e Melhor Trilha Sonora), voltará a cartaz este fim de semana com apenas três edições.
Momento oportuno para publicar o comentário feito pela doce e doutoranda em Artes Cênicas do PPGAC-UFBA Adriana Amorim. Texto enviado à Finos Trapos em 05/12/2009, durante a temporada de estréia do espetáculo.
Gennesius.
Por onde começar?
Pelas certezas ou pelas surpresas? Porque a Finos Trapos é assim, das muitas certezas que você tem, uma delas é a de que você vai se surpreender.
A Finos Trapos tem aquele exagero próprios dos que tem coragem. Para o espectador preguiçoso e ávido por deslizes, talvez algumas recorrências da trupe possam incomodar. Confesso que em muitos – minto – em alguns momentos, sou este espectador, com um tique-taque no coração que apita quando acha que já deu e crê ser indispensável que o artista responda a esta solicitação programada pela repetição. Mas a galera sabe o que quer. E não se vende. Se parecer demais, paciência. Tanta coisa nos parece demais na vida e a gente aceita. Assim, a cada sensação de “tá demais”, a cena nos presenteia com uma mudança brusca, com uma poesia, com uma risada aberta, enfim, nos tira da letargia que nós mesmos ajudamos a nos colocar.
Mas que lugar mais horrível para se começar um comentário. Dane-se, foi por aí que veio é por aí que vai. Na prova de seleção do doutorado, analisei o espetáculo Sagrada Folia. O engraçado, é que não consigo me lembrar de nenhuma linha do que escrevi. Sei que fiz cruzamentos teóricos, análises pavicianas, mas, juro, não conseguiria re-escrever o texto. Uma pena, porque gostei muito de escrevê-lo e sei que fiz uma defesa honesta e bem estruturada do trabalho. Ficará para sempre nos arquivos das seleções.
Mas de Gennesius falarei de coração. Falarei pública e abertamente. Da delicadeza construída num espaço hostil de cimento e divisórias. Do elenco do qual já conhecemos os passos, vozes e arqueios corporais, mas que ainda assim vamos buscá-los. Como quem admira toda a obra de Portinari, Saramago ou Almodóvar. Muda sempre, e é sempre o mesmo. Assim, já sei que vou encontrar ali as duas bolotas negras, a voz empostada e as meninices de Polis Nunes. A exuberância vertical de Yoshi, com sua comicidade própria e sempre nova. As curvas erráticas de Ricardo e seu rosto instigante. Mas cadê a força aterrada da delicada Dani? Cadê a volatilidade esvoaçante da loira Dayse? Cadê a poesia do olhar de Chico? Ah, que saudade!!! Estavam todos a serviço da obra. E a obra tem muitos serviços. Os vistos e os escondidos. Perdoados! Presença pungente de Roberto e seus criadores de música! E as novidades: a estreante Shirley com sua coragem, voz retumbante e chegada segura. E o nosso pequeno Frank, amigo de longas datas, que passeia como o menino que é pela dor e alegria de existir e fazer teatro. Um detalhe bobo: todos têm o sorriso tão lindo. Peguei-me inúmeras vezes admirando as arcadas dentárias dos atores. Lindos dentes a nos mastigar.
Caramba, é muita coisa pra falar, gente. Já falei tanto e nem comecei ainda. Vamos lá. De novo. A luz: um milagre. O que era pra ser uma gambiarra de quermesse, transforma-se num jogo inesquecível de luz e sensações. Soluções inteligentes, surpreendentes. Os detalhes me assustam, Cada coisinha em cima do palco tem uma história pra contar. Benzadeus, é muita coisa, gente. Fico pensando – e é foda conhecer o fazer, porque a gente se perde pensando nisso – como foi o processo de inserção de cada coisinha daquela. Sou artista impaciente. Acho lindo que faz tudinho... Eu faço o básico.
Eu não sei se todo mundo sente isso, mas eu sinto uma alegria quando sento pra ver uma peça da Finos. Sou amiga demais desse povo e acho que isso interfere. Tenho por todos e cada um deles um carinho e um amor incondicional do qual não vou falar aqui, porque não se fala dessas coisas. Todo dicionário que se usar será pouco pra falar deste amor. E fico curiosa se é o amor que me faz isso ou se eles de fato conseguem criar esta atmosfera de bem estar que faz a gente sorrir mesmo antes do espetáculo começar. Não sei se o amor cria a cena ou se a cena gera amor. Quem não os ama a priori, por favor, me ajude a responder.
E como tem amadurecido o garotinho Roberto. Lá vem papo de quem sabe mais e vai analisar... Dos primeiros espetáculos até aqui, vê-se o caminhar do grupo e o amadurecimento do diretor. Se em algumas montagens os elementos cênicos o engoliam, agora dá-se justo o contrário. Ele, enfim, faz o que quer da cena e deixa-se fazer por ela, num diálogo agora sem ruídos.
Yoshi pra mim é um dos grandes atores desta geração. Não apenas pelos seus quase dois metros de altura e generosidade, mas porque tem uma segurança de si que se espalha pelo palco e contagia seus colegas. Como um velho menino, parece que já sabe o que fará adiante, mas ainda assim sabe que o caminho é indispensável e de tarefa, caminhar torna-se um prazer. Talvez público e crítica esperem dele um grande papel que o revele. Uma pena, porque o trabalho que ele faz tão honesta e alegremente já é uma prova de seu talento inquestionável.
Não vou comentar cena por cena por ninguém merece ficar lendo tantas páginas. Vou dizer de algo que realmente me chamou atenção além de tudo. O final da história – é, porque a Finos Trapos faz de um tudo em cima do palco – de teatro de imagens e todas aquelas coisas anti-texto-dramático a um final novelístico com direito a arma do crime e tudo mais. Isso é simplesmente genial e quero dedicar este parágrafo ao meu amigo Reginaldo Carvalho que deve ter se deliciado com o melodrama do final, se é que não tem o dedo dele ali. Então, voltando, o que se consegue ali é um momento inspirado e comovente de Frank, lado a lado com a comicidade de Yoshi e – pasmem! – sem que um atrapalhe o serviço do outro. Como pode, S. Roberto fazer isso com gente? O que se podia esperar ali é que com as palhaçadas do personagem de Yoshi, Gennesius caísse no ridículo, mas não. Dá-se o inusitado de diminuindo, reforçar a dramaticidade do trabalho de Frank. Deu pra entender? Na mesma cena, cara a cara, Frank é o dramático (sem pieguice) e Yoshi o palhaço e a gente no meio, sendo dividido em dois e ao mesmo tempo integrado em um.
Mistérios! Vai saber!
É a beleza de um trabalho levado a sério. Um trabalho que se faz pra si e para o outro. Por si e pelo outro, sem confusão de lugares. Sem negociações estúpidas. Sem medo de ser feliz.
Meus queridos amigos. Quero agradecer pelos momentos vividos, pela alegria e pelo afeto. Quero parabenizá-los pelo trabalho e dizer que a Finos Trapos é, inquestionavelmente, um dos melhores grupos de teatro do Brasil e que vocês são verdadeiros heróis. Eu amo vocês.
Com amor. Adriana Amorim.
Adorei a doce e doutoranda... rsrsrs. Só vcs, viu.
ResponderExcluirAi-lovi-ius-cururus!